Fontes: Courrier Internacional por Fernando Madrinha, José Gil, Robert Fisk, Ari Shavit, Hani Al-Masri, Sever Plocker
Em 1953 Ben Gurion diria que “A menos que mostremos aos árabes que há um alto preço a pagar pelo assassínio de judeus, nós não iremos sobreviver”. Foi a partir desse momento que Israel adoptou o à-vontade com que pretende vingar-se da mais pequena provocação.
Durante os quase seis anos após o processo de paz de 2000 e o desmoronamento do plano de desocupação israelita para 2006, a estratégia israelita concentrou-se apenas no isolamento e no fecho das suas portas – o muro. Ao tirá-los da vista, desapareceria assim o mal estar de estarem, os próprios israelitas, fartos de toda a situação sem fim aparente à vista, conforme refere Ari Shavit. Mas essa estratégia não era assim tão primária e tinha factores a serem igualmente tomados em consideração como a demografia prestes a explodir, a ameaça existencial que pesava sobre o estado judaico e a ocupação sem futuro e, finalmente, na consciência perfeita de não existir uma parceiro palestiniano que os auxiliasse a sair dessa encruzilhada.
A desocupação originou a desordem absoluta em vez de criar uma nova ordem palestiniana, não criando uma estrutura política de consenso e estabilização do Médio Oriente e gerando o caos político inflamatório do conflito.
A Israel interessa agora isolar e destruir o Hezbollah, baluarte político-militar de um Líbano dependente.
As reacções desproporcionadas do exército israelita comportam já um saldo significativo de mortes numa proporção de um para 25 [sendo 25 as mortes de árabes, na sua esmagadora maioria civis inocentes, contra uma morte de um soldado israelita] e são, por si, um factor da escalada de violência nos territórios em conflito. A cada escalada do Tsahal, corresponderá sempre uma acção retaliatória do lado árabe. E o Tsahal é sempre desproporcionado na sua agressão.
A sociedade ocidental continua a aceitar placidamente expressões como “guerra”, “conflito regional”, “proporção de meios militares”, “âmbito territorial”, “duração prevista”, deixando assim que o número de vítimas libanesas aumente de dia para dia.
As críticas ao exército israelita, algumas feitas por judeus que apelidam o seu próprio estado de “Estado terrorista” ou as de Ahmadinejad que apelida esse estado de “nazi”, não poupam a antevisão de “danos colaterais” comuns a todas as guerras, quer queiramos, quer não.
É preciso insistir que a libertação de 1.3 milhões de palestinianos do jugo dos ocupantes israelitas é a única solução digna Mesmo agora, após as retaliações e ataques do Hezbollah que só servam aos opositores da desocupação, é necessário insistir que essa solução é a única adequada.
Entretanto, a opinião mundial deixa andar a situação em nome de uma suposta guerra contra o terrorismo e demais propaganda e aceita serena uma situação que acha normal e parte de uma guerra tradicional, com tudo o que de pior aí possa acontecer, uma guerra em que não se faz distinção entre alvos civis e alvos militares.
“Toda a gente vê uma dificuldade na questão entre árabes e judeus. Mas nem toda a gente vê que não há uma solução para esta questão. Nenhuma solução. Nós, enquanto nação, queremos que esta terra seja nossa; os árabes, como nação querem que esta terra seja deles.” diria, a propósito, o mesmo Ben Gurion citado pela “Time”. Isto demonstra cabalmente as motivações íntimas de Israel que parece, assim, não entender possível uma relação entre judeus e árabes no território. Como se fosse uma sina, indelével.
Esta agressão israelita provoca o apoio palestiniano às acções do Hezbollah contra Israel pois consideram ser esta a segunda frente que os aliviará dos seus sofrimentos. O Hezbollah, por seu turno, afirma querer a libertação dos prisioneiros palestinianos.
Na realidade, a população árabe acha que se todos os países árabes se empenhassem tanto como o Hezbollah, os resultados seriam muito mais concretos e favoráveis à sua causa.
No entanto, é nosso dever questionarmos o Hezbollah se este mediu realmente as consequências do seu acto ao sequestrar dois soldados israelitas, ao matar outros oito e, finalmente, a efectuar ataques com mísseis contra o território israelita.
O governo de Ehud Olmert tem usado estes actos como justificação para impor a resolução 1559 do Conselho de Segurança da ONU, que prevê o desarmamento do Hezbollah. Com isto, Israel poderá ainda provar ser o único senhor da região e que pode dela fazer o que muito bem entender, inclusivamente prolongar o actual estado das coisas indefinidamente. Ao transformar esta situação numa guerra regional, conseguiria assim tomar como cenário o dossier iraniano e as possíveis sanções contra Teerão. Assim, logo à partida, faria desaparecer a Palestina dos noticiários em horário nobre.
Por seu lado, o Hamas deveria repensar o facto de ter colocado o poder nas mãos de terceiros [Hezbollah, Síria e Irão] depois de não ter conseguido formar um governo estável e de ter provocado a reocupação da Faixa de Gaza ao ter sequestrado o cabo Gilad Shalit.
Como nos relembra Hani Al-Masri no seu artigo para o “Al-Ayyam” de Ramallah, “Tal como a Fatah, tem que evitar colocar todos os ovos no cesto de Washington, que está cada vez mais alinhado com Telavive, o Hamas tem que evitar entregar a causa palestiniana a potências regionais que só iriam explorá-la segundo os seus interesses.”
A entrega das negociações sobre os presos palestinianos e libaneses ao Hezbollah será, realmente, a melhor opção do Hamas? Ou irá complicar ainda mais as coisas?
De Telavive chega a opinião de que o governo de Olmert foi arrastado contra a sua vontade para uma guerra de duas frentes. Dada a impopularidade do executivo que Olmert lidera, não iria ser limitando-se a ameaças verbais que ele restabeleceria a confiança dos israelitas e ainda menos a sua força de dissuasão. Com um ponto fraco ameaçado, resta a Israel escolher entre a palavra e os actos.
Como aponta Sever Plocker em artigo para o “Yediot Aharonot” de Telavive, “Israel está confrontado com uma declaração de guerra de duas organizações terroristas: o Hamas sunita, a sul, e o Hezbollah xiita a norte. Ambos se recusam a reconhecer o direito à existência do nosso Estado. Ambos estão implantados nos territórios de que retiramos unilateralmente: Gaza [Agosto de 2005] e sul do Líbano [Maio de 2000]. Ambos sublevam multidões e testam a capacidade do exército e da população civil israelita de suportar a pressão. Se conseguirem sair de cabeça erguida desta guerra e puderem brandir o estandarte da vitória, isso significará simplesmente o fim do projecto sionista.”
Segundo José Gil, a “Guerra Israelo-Libanesa”parece ser uma metáfora. O consentimento prévio deste conflito por parte dos americanos é agora evidente. Esta é uma guerra sem declaração, sem invasão do território, com retaliações desproporcionadas, com o objectivo de extermínio de um grupo fundamentalista e extinção de um estado terrorista.
Esta guerra teve início no momento em que as negociações de paz mediadas pelos egípcios estava a finalizar e com provável sucesso. O interesse no falhanço das negociações tem possíveis interessados, o Hezbollah e a ala dura do Hamas, bem como a direita israelita.
Israel quer anular a pressão do eixo Teerão-Síria-Hezbollah-Hamas. Já que nem Israel nem os Estados Unidos podem atacar directamente o Irão, lançam-lhe um aviso e testam-lhe as capacidades político-militares. Provocam assim Teerão até que este ponha as suas garras de fora mas sem adoptar uma clara demonstração de força perante os EUA e Israel. Isto poderia assumir rapidamente a escala de conflito mundial.
Assim, Israel está em posição de força para negociar com Teerão e com uns fundamentalistas islâmicos enfraquecidos.
Mas, como os EUA no Iraque, Israel não pode pensar que o fundamentalismo palestiniano está definitivamente vencido e que a paz poderá finalmente surgir. Esse foi o erro americano.
No fim das contas, o Líbano que erguia agora a cabeça após todos os anos de conflito acabou, uma vez mais por pagar o preço mais alto.
Robert Fisk, por seu lado, descreve o processo no “The Independent” da forma seguinte:
“É uma questão síria. Eis a assustadora mensagem emitida por Damasco, a 12 de Julho, quando autorizou os seus aliados do Hezbollah a franquear a Linha Azul das Nações Unidas no sul do Líbano, a matar três soldados israelitas, a capturar dois outros e a exigir a libertação de presos libaneses detidos em Israel. Em poucas horas, o Líbano que começara a acreditar na paz deu consigo uma vez mais em guerra. Israel atribuiu a responsabilidade por estes incidentes ao governo libanês como se, impotente e minado pelas dissensões confessionais, este estivesse em condições de controlar o Hezbollah.”
Quem dirige o Líbano, na realidade, parece ser o presidente Bashar al-Assad, a partir de Damasco. A Síria tem assegurado o seu papel de mediadora do descontrolo a que esta guerra há-de chegar, altura em que Israel irá propor um cessar-fogo e em que todas as potências se dirigirão então para Damasco e não para Beirute, Damasco, a verdadeira capital do Líbano.
No entanto este plano acarreta riscos que começam já a tornar-se visíveis. Ehud Olmert envia o Tshal para o Líbano perdendo mais soldados. Infringindo as regras das Nações Unidas no Sul do Líbano, o Hezbollah ataca e atrai as esperadas represálias dos três ramos do exército israelita que flagelam, em simultâneo, um território debilitado de um país perigoso. Em Beirute muitos libaneses assistem escandalizados aos desfiles do Hezbollah que celebram o ataque relizado na fronteira, demonstrando assim a mais completa impotência da Administração libanesa.
Esperemos que estas acções não se precipitem numa escalada sem retorno.
Todos os partidos desta contenda sabem já as regras por que se gere este jogo e têm consciência de como irá acabar. À semelhança de Janeiro de 2004, de 1985 ou de 1982, as trocas de prisioneiros acabarão por se concretizar. Resta, até lá, definir a cruel contabilidade dos necessários mortos e estropiados.
O Hamas retirou o seu nome da conjuntura quando, a 12 de Julho, o seu porta-voz no Líbano negou existirem acções concertadas entre este movimento e o Hezbollah. Mas o facto é que o Hezbollah lançou o seu ataque na altura em que as sanções contra o eleito governo do Hamas tomaram efeito e o exército israelita iniciou as operações em Gaza. O Hezbollah tirará, com toda a certeza, partido de toda essa frustração.
“Entretanto, muitas pessoas – entre as quais políticos libaneses – consideram que o filho de Hafez al-Assad, Bashar, não possui nem a sabedoria nem o entendimento do poder que o pai possuía. Não esqueçamos que a Síria é um país cujo ministro do interior se terá suicidado, no ano passado, e cujos soldados tiveram que, na mesma época, abandonar o Líbano, quando Damasco foi suspeito de ter ordenado o assassinato de Rafik Hariri, o antigo primeiro-ministro libanês. Hoje, tudo isto pode parecer fora do contexto. Mas uma coisa é certa: Damasco continua a ser a chave de tudo.”
Segundo Ari Shavit, o logro da desocupação dos territórios da Palestina potenciaram o já há muito esperado, a Intifada. Segundo o seu artigo no “Ha’aretz” de Telavive, “Desta vez trata-se de uma Intifada de mísseis Qassam e Katiuchas, dos túneis subterrâneos e dos sequestros, do Hamas e da Hezbollah, apoiada pelo Irão e pela Síria. Essa Intifada está prestes a infligir ao unilateralismo israelita aquilo que a Intifada das pedras infligiu à ocupação israelita: a sua desqualificação. Esta Intifada não significa forçosamente que a desocupação não seja uma opção, que nenhuma retirada irá conduzir à estabilidade. Nenhum muro será alguma vez suficientemente alto para manter os zelotas afastados das nossas casas e o conflito longe dos nossos filhos. Nada pode isolar a avenida israelita do Médio Oriente que a rodeia.”
Israel terá, mais tarde ou mais cedo, que terminar com a ocupação e partilhar o território. Não há, no entanto, uma forma simples de o fazer.
Ainda segundo o mesmo Ari Shavit, “Será preciso voltar a pôr em funcionamento a nossa obra e reflectir em novas pistas. Israel tem uma necessidade desesperada de um novo conceito diplomático, de um novo conceito estratégico, de uma Quarta Via.”
Não há solução aparente à vista e Israel teme que qualquer mínima vitória dos movimentos islamitas liberte os demónios aos quatro ventos árabes. É portanto essencial que Israel destrua as duas organizações e as obrigue a aceitar um cessar-fogo em posição de fraqueza.
No entanto, não deve esquecer que os golpes desferidos a estas organizações, por vezes, deixam-nas refortalecidas em vez de enfraquecidas.
Pergunta Sever Plocker se “Estaremos assim tão nostálgicos de um passado que tantas vidas humanas custou? Fará sentido submeter a pressão máxima as populações xiitas do Líbano para que estas façam pressão sobre Beirute, para que Beirute faça pressão sobre Damasco, para que depois a Síria faça pressão sobre o Irão e para que, finalmente, Teerão faça pressão sobre o Hezbollah e este último sobre o Hamas? Nos anos 90 Israel já testou, sem êxito, estas reacções em cadeia, aquando das suas ofensivas massivas no sul do Líbano.”
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