quarta-feira, 9 de agosto de 2006

Depois de Zarqawi
by
Carlos José Teixeira on Thu 13 Jul 2006 00:35 WEST

"A nossa nação muçulmana surpreendeu-se ao saber que o valente cavalheiro, o leão da Jihad e o homem de decisão e rectidão, Abu Musab al-Zarqawi, tinha morrido numa operação americana vergonhosa. Esperamos que Deus o receba entre os mártires". "O estandarte não foi derrubado, foi apenas transferido de um leão do Islão a outro". "Vamos continuar, com a permissão de Deus, a luta contra vós e os vossos aliados em todos os lugares... No Iraque, Afeganistão, Somália e Sudão, até que acabemos com seu dinheiro, matemos seus homens, e vocês voltem para casa como perdedores, como na Somália". “Zarqawi matava todo aquele que fizesse parte dos cruzados, contra os muçulmanos, não importava quem fosse, independentemente de sua crença ou seu clã".
Foram estas algumas declarações de Osama Bin Laden divulgadas num site da organização terrorista que lidera.No último dia 23, o número dois da Al Qaeda, o egípcio Ayman al-Zawahiri, comprometeu-se a vingar a morte de Zarqawi, chamado de "emir dos mártires". Na fita de vídeo divulgada pelo canal "Al Jazira", Zawahiri pediu aos "mujahedin" (combatentes islâmicos) do Iraque que continuassem a luta contra as tropas americanas no país.



1. E a vida continua

Zarqawi
A fotografia do cadáver de Abu Mussab al-Zarqawi correu o mundo como troféu da caça à famigerada rede terrorista Al-Qaeda.
Zarqawi conseguiu, com eficácia, lançar uma contra a outra as duas principais correntes religiosas islâmicas recorrendo a estratégias de violência extrema como atentados em grande escala como o perpetrado contra a Mesquita de Ouro em Samarra, Fevereiro passado. Tão importante é esta situação que começou a falar-se no “efeito Zarqawi” como maior potenciador do afastamento de muçulmanos do radicalismo que a própria “campanha de democratização” americana.
Zarqawi tinha frequentes confrontos com Bin Laden acerca da forma de actuação, tendo sido mais que uma vez chamado à atenção de que este tipo de estratégia – os ataques a xiitas - iria, mais tarde ou mais cedo, trazer para a organização. Zarqawi não o ouviu.

Apesar de não ter uma estatura como a de Bin Laden, detinha bastante influência na organização. Utilizava o Iraque como base de desestabilização do Médio Oriente e, desde Novembro passado, exportava o terrorismo como fez na Jordânia ao explodir três hotéis geridos por americanos. Conseguiu ainda explorar eficazmente a frustração sunita sentida pelo fim do seu período de dominação do Iraque, cólera que se faz sentir a nível mundial dados os conflitos explícitos ou latentes que se verificam entre as duas correntes religiosas.
Arábia Saudita, Bahrain, Líbano, Paquistão, Turquia, são alguns dos pontos do globo onde estas diferenças poderão assumir proporções desastrosas. Refira-se ainda que grande parte dos territórios “barril de pólvora” são produtores de petróleo.
O National Couterterrorism Center informa que os homens de Zarqawi operam pelo menos em 40 países tendo ligações com 24 organizações extremistas tendo conseguido infiltrar um grande número de agentes no Afeganistão por forma a expandir os actos de violência contra o governo e as forças da Nato, informação adiantada pelos serviços secretos afegãos.

Continuidade
É certo que a organização terrorista de Bin Laden ficou debilitada com a perda de uma rede eficaz como a de Zarqawi. No entanto, não é de considerar que não hajam ou não venham a haver terroristas com igual ou superior capacidade à do recentemente abatido líder. É, portanto, uma questão de substituição, pura e simples. As motivações continuam… e agravam-se.
Uma das principais causas de a continuação das actividades terroristas poderem continuar é a sistemática ignorância ocidental no que se refere à compreensão do que é, realmente, a “jihad”.
Os americanos sabiam que Zarqawi circulava em terreno iraquiano há bastante tempo, já antes da invasão norte americana, mas Bush optou por divulgar a ideia de que as suas actividades estariam ligadas a Saddam Hussein, estabelecendo entre este e a Al-Qaeda uma ponte, uma ponte imaginária. Com o que Bush não contou foi com a insurreição que este vinha preparando.
Distraídos com a sua mentira, os americanos chegaram a deixar escapar duas boas oportunidades de o capturar na sua base, na zona curda do Iraque. Não passou muito tempo sem que se apercebessem da sua real importância, altura em que, ainda assim, optaram por divulgar a imagem de Zarqawi como sendo um líder de um pequeno grupo de terroristas.
Entretanto, assiste-se já à formação de novos terroristas e a mais ataques no estrangeiro. Toma-se conhecimento de células em vários países, como no Canadá onde foram presos 17 conspiradores na cidade de Toronto.

Autismo
Mas as autoridades e os media continuam a classificar as acções como “terrorismo jihadista”, modelo-chave que se apressaram a catalogar e que serve como pau para toda a colher: para a hierarquia da Al-Qaeda, para os iraquianos de Zarqawi, para os terroristas de Londres, para os de Madrid.
Insistem assim em ignorar a complexidade da questão que ultrapassa meras entradas em catálogos: as autoridades de Madrid referem uma possível ligação dos terroristas ao grupo de Zarqawi, alguns dos autores do atentado em Londres teriam sido formados no Paquistão, os recentes detidos em Toronto tinham ligações ao grupo iraquiano.

Facilidade
É um movimento social que a “jihad” se prende. As organizações terroristas são apenas uma ferramenta. São oportunistas e adaptáveis. São os nossos preconceitos que alimentam o seu sucesso, o nosso autismo preso em esquemas e organizações rígidas.
As nossas armas são a flexibilidade e a inovação, pelo menos tantas como as deles…

[“1. E a vida continua” contém adaptações de excertos do artigo de Daniel Benjamim e Steven Simon para o “The New York Times”]

2. A opção política
Segundo o “Al-Hayat”, a chave para o sucesso da operação que derrubou o líder terrorista deveu-se à sua associação com os sunitas no poder em Bagdade que deixaram de proteger Zarqawi. Para tal, aparentemente, terão utilizado a estrutura de poder em construção objectivando lugares a ocupar.
De qualquer forma é claro que esta operação foi somente possível porque muitos iraquianos se cansaram de olhar para o lado enquanto crimes hediondos eram praticados, crimes que não se enquadram nos seus objectivos nacionais, contrários ao pan-islamismo preconizado por Zarqawi.
Todavia, será conveniente recordar a Bush, acrescenta o jornal, que Zarqawi estava já derrotado politicamente no Iraque pelos sunitas… não vá eles esquecer-se.

3. A história futura
Sabemos que os atentados no Iraque têm tido a participação de suicidas vindos de Beirute, mais de mil árabes entraram no país para cometer atentados dessa espécie e entre eles, palestinianos de campos de refugiados no Líbano.
Sabemos que o apoio aos senhores da guerra na Somália não é eficaz contra os islamitas que, a partir de Mogad´scio já conseguiram organizar dois grandes atentados no Quénia e na Tanzânia, em 2001.
Sabemos que os Talibãs afegãos enviam regularmente felicitações pelos ataques às forças da coligação de ocupação do território iraquiano e que se reagrupam actualmente no Baluquistão com o apoio das autiridades.
Sabemos das células espalhadas pelo mundo.
O que não sabemos, afinal?

Consequências
O tipo de terrorismo actual praticado pelas organizações como a Al-Qaeda não é possível sem um treino adequado. Este tipo de eficácia é consequência directa do apoio e treino dos dirigentes e formadores dessas organizações por parte dos países ocidentais.
Os EUA têm a sua grande fatia desse bolo entalada na garganta:
No Afeganistão apoiaram os talibãs para expulsar os soviéticos, na Somália apoiaram um senhor da guerra contra os islâmicos, e por aí fora…
São simplesmente jogadas de apoios militares, tácticos, que cobrem os interesses políticos de poder na região.
O tipo de terrorismo actual é, simplesmente, consequência de não sabermos manter princípios básicos de honestidade política.

Futuro
A Al-Qaeda espalha já a sucessão pelos principais canais de informação, publicita-a e, sobretudo, coloca-a em prática.
A guerra da fé contra a guerra dos números – números económico-financeiros, números de efectivos armados, números de barris de petróleo – irá continuar a ser uma guerra terrorista e sem quartel sem conseguir obter a mínima compreensão ocidental acerca das motivações e das estratégias estupendamente flexíveis e adaptáveis aos mais variados contextos operacionais. Assistiremos ao aumento de demonstrações de força e de efectivos militares nas regiões afectadas assegurando a manutenção do “bem” e a derrota do “mal”. Assistiremos, por fim, ao recrudescimento das acções em grande escala nos territórios do Médio Oriente e, sobretudo, nos países “infiéis”.
Ou então, se tudo correr bem, assistiremos ao desenrolar de negociações políticas e sociais com as organizações que apoiam ou colidem com os grupos terroristas, criaremos grupos de pressão que lhes reduzam o espaço.
Para tal é essencial a transparência. Nos processos, na informação, na criação de oportunidades de negociação que não sejam espartilhadas por obscuros poderes económicos ou militares.
Talvez, um dia.




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