segunda-feira, 8 de setembro de 2003

Bushalidades ou o minimalismo repetitivo :-


Depois de quase termos morto a televisão cá de casa, hoje foi dia de a reanimarmos.

Há alguns meses, fartinhos das campanhas pró guerra da CNN, decidimos que seria altura de ceder o sinal por cabo exclusivamente aos computadores. Não tivesse sido a ameaça de nunca mais vermos os jogos de basketball universitário que recomeçam em Janeiro, e a tal caixinha dos milagres ter-se-ia tornado o objecto mais ostracizado por estas bandas.

Mas, dizia eu, hoje foi domingo de Páscoa para as ondas Hertzianas. Recorrendo a uma antena digna de um museu de história do século XX, e com a dificuldade inerente à existência de uma multitude de frequências, os canais lá foram sendo resintonizados. Primeiro, o canal da Universidade. Depois, as sucursais locais da CBS, da ABC, da NBC e por aí adiante. Um canal hispânico pelo meio e, finalmente, a sucursal local desse bastião do reaccionarismo, mais conhecido por FOX.

A ocasião justificava o esforço. Afinal, George W iria discursar perante a Nação sobre os recentes desenvolvimentos da guerra no Iraque e da batalha contra o terrorismo, pelo que decidimos seria altura de voltar a ouvi-lo. Já tinham passado alguns meses desde a última vez que o tínhamos feito, pelo que esperávamos estar mais tolerantes.

Puro engano, claro está.

George W disse hoje exactamente as mesmas coisas que disse no dia 12 de Setembro de 2001. E exactamente as mesmas coisas que disse no dia 13 de Setembro de 2001; e em Dezembro de 2001; e em Junho de 2002; e em Março de 2003. As mesmas coisas, sem tirar nem pôr: «War on terror (…) fought on many fronts in many places»; «We will spend what is necessary (…) to make our nation more secure.»; «This will take time and require sacrifice»; «I have directed Secretary of State Colin Powell to introduce a new Security Council resolution (…)»; «We’ve been tested (…) and the dangers have not passed.»; «We are serving in freedom’s cause (…)»

O meu amigo Ryan – um americano de gema do estado de Nova Iorque – disse-me, poucos meses depois do 11 de Setembro, «o melhor é desligar sempre que o W falar. Assim, poderemos fazer de conta que temos um presidente consistente com os valores que a América representa». Devia ter seguido o aviso à risca.

Embora as palavras - sempre as mesmas - de George W possam ter sido necessárias e oportunas no dia 12 de Setembro de 2001, o certo é que elas estão hoje profundamente desadequadas das reais necessidades norte-americanas: revitalização económica; luta contra o desemprego, pobreza e exclusão social; reinvestimento na educação; defesa do ambiente. Além disso, essas mesmas palavras têm servido de suporte a políticas McCarthy-istas de restrição às liberdades individuais, as quais têm o seu expoente máximo no chamado Patriot Act: um autêntico mimo de estados-polícia, adorado por uns e odiado por outros.

A amplitude de sensibilidades políticas nos Estados Unidos é hoje maior do que terá alguma vez sido depois da guerra do Vietname. E os discursos minimalista-repetitivos de George W, como o de esta noite, têm vindo a contribuir, e muito, para essa polarização.

A nossa televisão, essa, vai voltar a um quase total descanso, pelo menos até Novembro de 2004, regressando aqui e ali sempre que houver um jogo de basketball.

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