segunda-feira, 9 de fevereiro de 2004

Rafael Alberti


Quando tu apareceste,
penava eu nas entranhas mais profundas
duma cova sem ar e sem saída.
Esbracejava no escuro, agonizante,
ouvindo um estertor que esvoaçava
como o pulsar duma ave imperceptível.
Sobre mim derramaste os teus cabelos
e subi ao sol e vi que eram a aurora
cobrindo um alto mar de primavera.
Foi como se tivesse chegado ao mais formoso
porto do sul. Submergiam-se
em ti as mais lúcidas paisagens:
claros, agudos montes coroados
de neve rosada, fontes escondidas
na crespa sombra dos bosques.

Aprendi a descansar sobre os teus ombros
e a descer por rios e encostas,
a entrelaçar-me nos ramos estendidos
e a fazer do sono a minha morte mais doce.
Arcos me abriste e meus floridos anos
recém-erguidos para a luz repousaram
sob o amor da tua compacta sombra,
tirando o coração ao vento solto
e ajustando-o ao verde som do teu.
Ora adormecia, ora acordava sabendo
que não penava numa cova escura,
esbracejando sem ar e sem saída.

Porque tinhas finalmente aparecido.

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