segunda-feira, 22 de março de 2004

O Rei Vai Nu

É interessante como uma reportagem num jornal e, pelos vistos, uma peça que passou numa cadeia televisiva (eu não vi, por isso falo de cor) parece fazer com que toda a gente se dê conta de algo que entrava pelos olhos a dentro - que a miséria e pobreza tem alastrado de um modo alarmante. Mas bastava somar 2 mais 2. Se é conhecido o problema do endividamento das famílias portuguesas, se o desemprego aumenta como se vê, se não existem primeiros empregos para quem acaba a sua formação, o que é que se esperava?
E quanto ao endividamento, vamos lá com calma, se é certo que muita gente é uma compradora compulsiva espicaçada pelo publicidade que sugere de todas as formas o “compre-agora-e-pague-depois”, a verdade é que as grandes, mesmo grandes dívidas, se encontram no sector da compra de habitação que é um bem de primeira necessidade. No actual momento, quando uma renda vai custar o mesmo que uma amortização bancária, quem precisa de um tecto acaba por o comprar! E para aí vai o ordenado de um dos membros da família. Portugal tem um mercado imobiliário que não tem em conta a média geral dos nossos rendimentos.
E que a antiga “classe média” se tem evaporado é óbvio. Ainda há uns restos, não sejamos completamente radicais, mas emagreceu muito á conta dos novos pobres. E mete bastante raiva o discurso enfastiado de uns senhores que displicentemente dizem que “eles” não querem é trabalhar, esses pobres são mas é uns grandes preguiçosos!
A entrevista do Padre Agostinho Jardim ao Público faz mais pela imagem da Igreja do que todas as missas rezadas neste mesmo domingo. Ele teve a coragem de mostrar a nudez do Rei. O Rendimento Mínimo, crismado agora de R.S.I. foi espatilhadíssimo, porque o que se pretende é acabar de vez com a medida mais generosa que o PS criou. Tinha erros, sem dúvida. O maior era não ter dado condições de ser convenientemente seguido e vigiado. Permitiu vigarices, também é verdade. Há gente que o recebia ou recebe e não precisa. Mas tudo o que se investiu num programa conhecido há uns tempos por Programa de Luta contra a Pobreza, quem presta contas disso? O que é feito dos dados? Mesmo num critério economicista não será que a luta contra a evasão fiscal daria mais lucros do que o controlo do pobre do R.S.I.? Todas as economias paralelas que não há quem não conheça, os trabalhadores por conta própria que se auto-declaram para efeitos fiscais com o ordenado mínimo, será que ninguém reparou?
Infelizmente foi preciso atirar-se com um número chocante através de uma reportagem para as pessoas se começarem interrogar
.M.L.

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